Era apenas mais um rapaz do campo tentado pelas imaginárias oportunidades da cidade grande, mas estava prestes a conhecer a origem do conceito tentação e ser apresentado a uma oportunidade além da imaginação.
 Ainda não tinha conseguido o tão sonhado emprego e tinha pouco dinheiro para ficar rodando a cidade atrás, mas era impraticável fazer sua busca a pé por conta das enormes distâncias. 

Entrou no vagão, abarrotado como de costume, fechou os olhos e desejou estar sozinho lá, com o ar gelado só para si e podendo sentar em qualquer um dos assentos – assentos estes que naquele momento não poderia ver nem se estivesse de olhos abertos.
Ele desceu na estação que precisava para fazer baldeação. Enquanto esperava o próximo metrô, resmungava consigo mesmo do inferno que eram os transportes públicos, quase sempre superlotados, isso ainda somado ao excessivo calor da cidade, foi então que notou um homem muito bem apessoado, de terno perfeitamente alinhado, parado ao seu lado lhe dirigindo um sorriso extremamente amigável, ele jurava que um segundo atrás não havia ninguém ali, mas de alguma forma paradoxal ele tinha ao mesmo tempo a impressão que o homem estava ali desde o início, olhando e sorrindo para ele como que esperando ser notado.

– Com licença, mas não pude deixar de ouvir suas queixas. Quero te fazer uma proposta e serei bem direto. O que acha de ter tudo que quiser na vida? 

 Sou do campo, mas não sou burro, eu sei que tudo tem um preço – fez uma pausa reflexiva e o outro apenas esperou pacientemente que continuasse, mantendo o sorriso simpático – e digo mais – deu mais uma pequena pausa – usa uma roupa toda bonita e cara, mas anda de metrô, e sai oferecendo mundos e fundos, se não é o próprio Demo é algo parecido. E como eu já disse, sei que tudo tem um preço, e “tudo que quiser” deve custar minha alma e isso não vendo. 

 Ele falava sério e literalmente, no entanto, não parecia assustado com a possibilidade de ser um encontro sobrenatural, já ouvira no campo muitas histórias de ofertas do Coisa-Ruim. 

–  O senhor é muito esperto mesmo. Bem, quem eu sou não importa, conhece a expressão “conto o milagre, mas não conto o santo”? Mas, sim, seria mesmo sua alma o preço. Como “vendedor” eu não deveria dizer isso, mas a alma é mesmo um preço caro a se pagar. – fez uma pausa metódica – Como você é mesmo muito esperto, quem sabe não me faz uma proposta que eu aceite. 

– Bem, minha alma não vendo mesmo, mas depois que eu tiver morto você pode ficar com o meu corpo, ia ficar para os vermes mesmo. 

 Interessante, mas é claro que seu corpo putrefato não vale “tudo que quiser”, minha contraproposta é te dar um ótimo carro em troca. 

– É um bom acordo, mas não sei dirigir. 

 Este é Caronte, – o homem de terno indicou com a mão o senhor vestido de chofer à sua esquerda, mais uma vez foi como uma aparição repentina, mas simultaneamente como se Caronte já estivesse ali o tempo todo – ele será seu condutor e, antes que pergunte, para não levantar suspeitas ninguém vai poder vê-lo, vão olhar ver você dirigindo. 

– Não é uma ideia ruim – o sujeito de terno prontamente estendeu a mão para que fechassem o acordo – ah, mas você não pode me matar, tem que ser no dia que já era pra eu morrer, no dia que Deus mandar. 

– Feito – apertaram as mãos.

Dias depois o homem da roça foi preso, acusado de latrocínio, segundo a polícia o carro que ele estava “dirigindo” fora roubado e o dono assassinado. 


Continua...


Escrito por: Cayyan C. Menezes
Adaptado por: Camila Cruz
De: Ler Pode Ser Assustador

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