VICENTE

Eu estava buscando lenha e gravetos para a fogueira enquanto o Léo tentava abrir a porta da casa. Eu tinha dito à ele para fazer algo de útil e me ajudar, e ele me respondeu que assim que ele arrombasse a casa a gente podia usar os móveis na fogueira. Ele era uma figura mesmo.

A Annabella estava lá com o Eduardo. Eu gosto dela. Gosto mesmo. Mas não quero que as pessoas saibam, e nem ela. Acho que não daríamos certo. Ela é o oposto de mim. Mesmo assim, ver ela conversando com o Edu me fazia sentir ciúmes. Eu estava encarando eles, afundado em meus pensamentos, quando ouvi um barulho atrás de mim e instantaneamente corri para lá.

Parece que o Léo havia conseguido abrir a porta, e agora estava caído no chão.

- Ai..ai.. - Resmungou Léo.

Soltei uma risada.

- Vem, deixe-me ajudá-lo. - Falei.

- O que aconteceu? - Jaqueline havia chegado no lugar. Como sempre, muito preocupada.

- Parece que o Léo não mediu sua força. - Ri.

- Rá-rá engraçadinho. Eu tava forçando ela e ela abriu de repente. Não tive culpa se isso me pegou desprevenido. - Léo falou.

- Menos mal que está tudo bem - Jaqueline aliviou-se.

- Bem, - Léo levantou as sobrancelhas e deu um meio-sorriso - é hora do saque! 

Sorri. Léo era um cara despreocupado. Fazia qualquer um se sentir bem perto dele. Virei-me para trás e olhei novamente para a Anna. Ela ainda estava com o Edu. Suspirei.

- Bem, vamos pegar madeira amigo...e ver o que tem aqui dentro. - Falou Léo.

Olhei para ele:

- Por que não vai sozinho? - dei uma risada. - Não precisa responder.

- Você tá muito zoado hoje... Acho que o clima não tá te fazendo bem e...

Ouvimos passos lá dentro. Olhamos assustados, mas não havia nada.

- O que foi isso? - Falou Leandro.

- É o que vamos descobrir. Vem comigo.

Entramos na casa enquanto Jaqueline ficava cuidando de nós da porta. Havia uma corredor longo, e no fim dele eu vi um vulto. 

- Ali! - Falei para o Léo e começamos a correr até o último quarto.

Chegando lá, havia uma garota sentada no chão de costas para nós, e com a cabeça abaixada. Do seu lado, uma boneca. Enquanto Léo parou na porta, eu entrei e me agachei perto da criança. Ela estava com algum machucado na cabeça, pois seu rosto estava todo ensaguentado. E ela chorava também. 

- Léo, corre buscar ajuda. Essa garotinha tá sangrando demais. Traga algo para parar o sangramento. Vai, ligeiro! - Falei pro Leandro.

Ele foi sem falar nada. Me virei para a criança novamente:

- Ei, garotinha, você tá bem?

Então algo acertou minha cabeça com tamanha força que eu apaguei.

Acordei com o Eduardo batendo no meu rosto.

- Vicente, Vicente, você está bem? - Ele falou para mim.

Olhei ao redor. Eu não sabia onde eu estava. Era um lugar estranho, como se fosse uma caverna. Percebi que eu estava dentro de alguma espécie de gaiola. O Eduardo estava agachado, na frente da porta.

- Ah... Eduardo? Que... Que lugar é esse? - Falei.

- Eu não sei. Eu cai do poço e achei uma abertura lá que deu nesse lugar e... Espera, o que você está fazendo aqui?

Expliquei para ele que eu não sabia. Também contei o que tinha acontecido na casa. Ele ficou intrigado. Me sentei, e pedi sobre os outros e sobre Annabella. 

- Eu tô bem. Me arranhei um pouco na queda, nada muito grave. Os outros estão melhores do que eu. Eles tinham ânimo para discutir enquanto eu estava caído no poço. - Ele riu - A Anna tá melhor do que todos, foi ela que começou a discussão. 

Ri também. 

Tipicamente dela.

- Você gosta dela não é?

Meu coração quase parou.

- Eu? N-não cara... tá maluco?

- Sei... Cara, tantas para escolher, e você caiu nas graças justamente daquela garota...

- Eu não sei do que você está falando. - Tentei desconversar.

Ele riu, mas logo ficou sério. Percebi que ele estava pensando em alguma coisa. Comecei a pensar também. "Como eu vim parar aqui? Num momento, eu estava lá em cima, e agora, estou preso numa jaula." pensei. De repente, Edu interrompeu meus pensamentos. Ele notou que havia alguma porta escondida. Falei para ele ir lá, mas ele não conseguiu abrir a porta. Então, com muito esforço, me levantei, e algo caiu das minhas roupas. Era uma chave. Dei para Eduardo, e ele conseguiu abrir a gaiola. Me apoiei nele enquanto ele me tirava de lá. 

- Pronto, - eu disse - podemos ir embora! 

- Só não sabemos como...

- Podemos voltar e tentar achar outra saída.

- Bem, eu não te contei, mas... tá cheio de corpos lá dentro no poço. 

- Corpos? - Gelei.

- Aham, gente morta. 

- Como assim?! 

- Não sei. Parece que morreram porque tentaram voltar e pedir ajuda. Sei lá... 

Pensei em falar para tentarmos mesmo assim. Mas se o Edu não havia falado isso ainda, é porque ele sabia que não adiantaria. Afinal, quem chegaria primeiro? A ajuda ou o "proprietário" do calabouço? Olhei ao redor, e Eduardo tirou as palavras da minha boca:

- Esse lugar... Parece uma câmara de tortura não é?

Então, senti algo no meu bolso. Coloquei a mão lá dentro e achei duas chaves. Nos perguntamos do por quê delas, enquanto eu conseguia voltar a ter meu equilíbrio. Então, fomos à porta e a abrimos com uma das chaves. Ela dava para um corredor muito extenso, e quando chegamos no fim dele, havia uma cúpula. Havia muitos livros em mal estado, e as paredes tinham uma escrita estranha também. Olhei de perto um dos livros. Ele estava aberto numa página com apenas uma frase. Estava escrito em português: "Seja o braço direito." Parecia um conselho. Eu ia comentar isso com o Eduardo, quando passos fizeram-se audíveis na nossa frente. Pareciam os mesmo passos rápidos que eu ouvi na casa. Seguimos eles por um bom tempo, até chegarmos numa bifurcação.

- E agora? - Falei.

Eduardo começou a pensar. Deixei ele assim e afundei nos meus pensamentos. Ele era uma pessoa que tinha sofrido muito antes de conhecer Jaqueline e eu. Nós o protegemos e o ajudamos quando ele mais precisava. Me sentia responsável por ele, como se fosse um irmão mais velho. Eu continuaria o protegendo, mesmo que ambos não percebessem.

- Você fica com a esquerda. Eu vou pela direita. - Ele falou.

Me surpreendi com o tom de voz dele. Ele parecia decidido. 

- Por que? Não vamos juntos? 

- Não. É melhor que nos separemos. Se alguém encontrar a saída, volta buscar o outro, beleza? Com ajuda.

Naquele momento, algo em minha mente me fez lembrar do que eu havia lido antes. Talvez o caminho correto fosse o da direita. Não, o caminho correto era o da direita. Olhei para o meu amigo. Ele merecia viver mais que eu. Então, se alguma coisa acontecesse, que acontecesse comigo.

- Tranquilo. Mas, se estiver em apuros, é só me chamar, ok? - Falei.

Ele concordou. Então comecei a caminhar. O caminho era uma subida. Caminhei um tempo até achar uma porta pintada de azul. Entrei nela. Era uma cúpula, as paredes eram de vidro, e dentro havia muita água, de um tom verde. Me senti visitando um grande aquário. Não havia mais nada naquele lugar. Então, quando eu pensei voltar, vi algo diferente dentro de uma das paredes. Cheguei perto e olhei melhor. Então o rosto de uma garota apareceu lentamente na minha frente. Ela parecia estar morta há muito tempo. 

- Nossa, você meu deu um baita susto, garotinha. - Falei. - Você me lembra alguém... Quem seria... 

Então lembrei da garota da casa. Algo se moveu nos pés da garota. Era uma boneca. Fiquei aterrorizado. Quando olhei novamente para a garota, ela estava olhando fixamente para mim, com um sorriso no rosto. 

Fui para trás imediatamente. Então um som metálico ecoou pelo lugar e a porta se fechou. Fui até ela e tentei abrir, mas não consegui. Lembrei da chave que eu tinha, tentei usar mas ela não entrava. De repente, a água que estava nas paredes começou a vazar para dentro do local. Não vi mais a garotinha.

Tentei abrir a porta, gritar por ajuda, mas a única coisa que acontecia era a água subindo cada vez mais.

A última coisa que lembro foi da água entrando nos meus pulmões e me sufocando até a morte.

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