LEANDRO

A porta daquela casa parecia ser complicada de abrir. Eu não era muito forte, mas eu achava que conseguiria. Talvez Vicente pudesse vir ajudar, já que queria tanta madeira para a fogueira. Eu já tinha dito à ele que poderíamos usar os móveis da casa. Ele levou na brincadeira, para variar. 

Na quarta tentativa que eu forcei a entrada, para minha surpresa, a porta abriu. Mas ela não cedeu. Parecia que alguém havia aberto a porta pelo lado de dentro. O resultado disso tudo foi eu caindo de cara no chão. Eu já estava me levantando quando o Vicente veio oferecer ajuda. A Jaqueline estava por lá também, o que não era surpresa já que ela se preocupa com todos. Falei que estava bem e Vicente tirou uma da minha cara.

Então, fiz uma careta e disse:

- Bem, é hora do saque!

Estiquei meu braço direito, e falei pro Vicente, que estava de costas para mim:

Bem, vamos pegar madeira amigo...e ver o que tem aqui dentro.

- Por que não vai sozinho? - Ele riu. - Não precisa responder.

- Você tá muito zoado hoje... Acho que o clima não tá te fazendo bem e...

Ouvimos um barulho lá dentro. Me afastei da porta e congelei de medo. 

- O que foi isso? - Falei.

- É o que vamos descobrir. Vem comigo. - Vicente falou.

Não podia dizer que não. Se não fosse eu, quem iria? Uma das garotas? Ou o novato? Eu precisava mostrar que eu podia fazer algo pelo menos. Segui ele em silêncio dentro da casa. Havia um corredor bem longo. Era tudo muito escuro, havia pouquíssima iluminação. Tinha umas passagens também, mas antes que pudéssemos olhar dentro, Vicente viu algo, e corremos até o último quarto. Chegando lá, eu parei na porta, enquanto Vicente entrou. Havia uma garota no chão, de costas para nós. Vicente chegou perto, e vi sua feição mudar rapidamente. Ele gritou para buscar ajuda, porque a garota estava muito mal, e estava sangrando. Corri sem reclamar de volta, e quando cheguei lá fora encontrei Annabella e Jaqueline paradas perto da porta.

- Meninas... Tem... Uma garota... Ela... Ela tá muito mal. - Puxei o ar. - Vicente ficou lá olhando ela enquanto vim aqui buscar ajuda de vocês.

- Mas como assim "mal"? - Annabella perguntou.

- Vem comigo, eu explico no caminho. Pegue um pano. Você vem Jaque?



- Eu vou esperar vocês aqui. Muita gente só vai atrapalhar.

Annabella pegou um pano que estava por perto e corremos de volta pro local. Expliquei para ela a situação enquanto nos aproximávamos do quarto. Só que, quando chegamos lá, Vicente e a garota haviam sumido. 

- Nossa, que estranho... Vicente estava bem aqui com a garotinha... - Falei.

- Estranho? Sei... Não sou boba viu? Você inventou essa história isso sim. - Annabella retrucou.

- Inventei nada garota! Por que diabos eu inventaria algo tão sério?

- Ora, para querer ficar sozinho comigo. Você vive implicando comigo, mas na verdade você me ama.

- Amar? Você?! - ri ironicamente - Depois eu que sou o piadista...

- Você deve ter combinado com o Vicente e com aquela fazida da Jaque...

- Guria, cê não se toca não? Em primeiro lugar, eu nunca inventaria uma história assim para dar em cima de alguém, e muito menos em você. Em segundo lugar...

Minha fala foi interrompida por um grito vindo lá de fora. Era a Jaque. Corremos novamente para fora  da casa, e a encontramos olhando para o poço. Ela estava aflita. Quando perguntamos o que houve, ela disse que o Eduardo havia caído lá dentro. Nos desesperamos e começamos a gritar por ele. Ele respondeu depois de um tempo, disse que estava bem. E então deu um berro. A nossa gritaria começou de novo, e só parou quando o Edu nos acalmou novamente. Então, ele disse que havia achado uma passagem lá dentro e que poderia ser uma saída. Eu estava começando a entrar em pânico. O Eduardo caído no poço, o Vicente que havia sumido. Eu não conseguia me manter calmo. 

- O que vamos fazer enquanto esperamos você? - Annabella gritou para o Eduardo.

Sugeri que deveríamos procurar pelo Vicente, mas ela ainda achava que eu tinha armado alguma coisa e ele estava escondido. Começamos a discutir novamente, e Jaque tentando apartar não ajudava em nada. Para completar, o Edu gritava lá debaixo. 

Então, ouvimos risos infantis e femininos vindos da casa. Quando olhamos, lá estava ela. A garota. Estava com um vestido curto, vermelho. Estava pálida. Ela tinha vários cortes nas pernas e nos braços e maquiagem pesada no rosto. Ela segurava uma boneca numa das mãos. Eu fiquei aterrorizado. Quando ela sumiu dentro da penumbra da casa, a Annabella começou a correr atrás dela.

- Ei, Anna, a-aonde você v-vai? - Falei, tremendo de medo.

- Como assim aonde? Essa garota é muito suspeita e eu vou atrás dela!

- M-mas... mas você olhou para ela? E-ela não parecia desse mundo.

- Ah, eu não acredito... Fantasmas não existem. É tudo fruto da sua cabeça Léo. Que deve ser vazia pelo jeito, já que não se importa nem com o Edu, preso lá embaixo, nem com a Jaque, que tá toda preocupada, e nem com o Vicente que... Falando nisso, cadê aquele cara? Justo quando mais precisamos dele, ele some... Vai chamar ele Léo! - Ela berrou para mim.

Ela não ajudava em nada mesmo, aquela maldita da Anna.

- Eu já disse para vocês que ele sumiu! Ele estava lá e depois não estava! Eu não sei... 

Fui interrompido novamente por alguns barulhos estranhos vindo das casas da vila. 

- Vicente... - Jaqueline disse e saiu correndo na direção do escuro e dos barulhos.

Comecei a gritar pra ela voltar, e a Anna se preparava para ir atrás dela, quando ela correu para o poço novamente. "É claro," pensei, "esquecemos do Edu". Ela chamou por ele, mas só havia silêncio. Isso só me assustava ainda mais. Comecei a gritar, chamando a Jaque e o Vicente. Eu estava apavorado. Então, Anna se dirigiu novamente para a casa.

- Espera, você vai entrar sozinha? - Falei para Annabella.

- Claro! Esperar aqui não dá. Você vai ficar ou vai vir?

Eu não queria ficar sozinho, e a Jaqueline havia sumido há um tempo. Então, resolvi seguir a Anna. 

Conforme a gente avançava dentro da casa novamente, eu olhava para tudo. Para ver se achava alguma coisa. Eu não conseguia me manter calmo. Encolhi meu corpo. 

A Annabella falou para eu ser mais homem. "Ela não entende a gravidade da situação? Ela é uma idiota, isso sim. Não dá para argumentar com ela. " pensei. Tentei falar algo para ela, mas ela insistia em dizer que era armação minha e do Vicente. 

- Você devia era se por no meu lugar isso sim. - Falei.

- Você devia ser menos mijão...

- Sério, eu já não te aguento mais. Quando formos embora daqui, ou sai eu, ou sai você.

- Os incomodados que se retirem.

- Olha garota... - Eu ia dizer para ela calar a boca, quando percebi que havíamos chegado no quarto e que havia alguém na mesma posição da criança de antes. -  Mas o que é isso? - Falei, tenso.

- Ali está ela. - Anna falou. - Você nos deve algumas explicações pequena...

Fiquei esperando na porta, atento para o que ia acontecer. Quando Anna puxou com força o lençol que cobria a criança agachada, um vento forte bateu nas minhas costas. Então, algo agarrou meu tornozelo e me puxou com força. Tentei me segurar na porta, mas não consegui. Quando comecei a ser arrastado pelo corredor, vi a porta se fechar sozinha com a Anna lá dentro.

Tentei me segurar em alguma coisa, e gritar por ajuda, mas nada adiantava. Aquilo estava me arrastando para os outros cômodos da casa. Quando me virei para aquilo e olhei, o que eu vi foi a pior coisa que eu já tinha visto em toda a minha vida. 

Era um ser desproporcional, com braços longos e finos, e sem tronco. A cabeça era diretamente ligada ao pés. Ele vestia um terno listrado, que mal podia ser visto pela iluminação da lua. Não tinha nariz, e nem olhos. Ele olhava diretamente para meus pés, e quando ele percebeu que eu olhava para ele, ele parou, olhou para mim, e deu um berro horrível que quase fez meus tímpanos estourarem. Sua boca era vazia e escura, como se não houvesse língua e nem dentes.

Depois disso, ele aumentou a velocidade e a brutalidade de como me arrastava. Eu não sabia pra onde ele tava me levando, mas meu corpo inteiro bateu com muita força em vários locais. Cada vez que eu era jogado contra uma parede, ou batia em algum móvel, algum osso quebrava ou fraturava alguma parte do meu corpo. Então, num momento, bati com minha cabeça com muita força e fiquei tonto. Não conseguia mais gritar.

Ele me levou então para uma escada e me arrastou para cima com força. Eu não sentia mais meu corpo, da tamanha dor que eu tinha. Sentia meu sangue derramar por onde eu passava. 

Então, ele parou. Alguns segundos depois fui atirado com muita força pela janela do sótão da casa, em frente ao nosso acampamento, caindo diretamente no fogo lá embaixo.

A última coisa que lembro foi como as labaredas da nossa fogueira iam me queimando vagarosamente até minha morte.

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