JAQUELINE

Estava tudo bagunçado dentro da minha barraca. Vicente estava ajudando a conseguir madeira e Léo também. Eu queria terminar logo aquilo para poder ajudar. Me sentia péssima assim, sendo uma inútil.

Saí da barraca e estava me ajeitando quando ouvi um barulho vindo da casa. O Léo estava no chão. Corri até lá, e quando eu cheguei, Vicente já estava ajudando-o. Léo não aparentava estar ferido.

- O que aconteceu? - Perguntei.

- Parece que o Léo não mediu sua força. - Vicente falou, rindo.

- Rá-rá engraçadinho. Eu tava forçando ela e ela abriu de repente. Não tive culpa se isso me pegou desprevenido. - Léo respondeu.

- Menos mal que está tudo bem. - Suspirei.

Léo começou a fazer alguma graça, mas o Vicente estava prestando atenção em outra coisa. Na verdade, em uma outra pessoa. Só sendo cega para eu não perceber que ele sentia algo pela Anna.

Léo chamou ele, e os dois estavam fazendo graça um com o outro quando ouvimos passos vindos lá de dentro da casa. Fiquei assustada e tentei ver o que tinha lá. Vicente decidiu por entrar, e Léo foi com ele. Fiquei apreensiva, e esperei na porta por eles. Então Annabella chegou e me pediu o que estava acontecendo.

- Os garotos ouviram um barulho e foram lá dentro ver o que era. Estou muito preocupada. - Eu disse.

- Deve ter sido só imaginação de vocês. - Ela respondeu.

Então, Léo apareceu ofegante na porta. Ele falou que encontraram uma garota, que ela estava muito mal, e que precisava de ajuda. Por fim, Leandro e Anna entraram, e eu fiquei lá fora com o Edu.

Saí de perto da porta e fui para perto da fogueira. Eduardo pediu se eu estava com frio. Falei que não. Ele era um garoto gentil.

- O que houve lá dentro? - Ele perguntou.

- Não sei. Parece que encontraram uma menininha. Ela estava machucada.

- Por que você não foi ajudar?

- Minha mãe já dizia que muita gente as vezes só atrapalha. E você ficaria sozinho também....

- Sua mãe parece uma boa pessoa, mas eu acho que você deve ir. Aliás, acho que nós devemos ir.

Concordei e me dirigi lentamente de volta para a casa. Eu conseguia ouvir Léo e Anna discutindo. Dei uma risada e falei que devia estar tudo bem para o Edu. 

- É o que vamos ver. - Ele falou.

Então, quando ele tentou sair da beirada do poço, ele caiu. Gritei e corri até lá. Logo em seguida apareceram Léo e Anna e pediram o que houve. Falei que o Edu tinha caído no poço, e eles começaram a gritar também. Edu tentou nos acalmar, mas então ele gritou novamente, e eu quase morri. Depois ele só disse que tinha se assustado com o lugar, mas eu não acreditei muito nele não. Eu ainda estava me recuperando disso, quando de repente o Léo e Anna estavam discutindo novamente. Tentei acalmar os ânimos, mas eles não me ouviam. De repente, a gente ouviu risos femininos vindos da casa. Olhamos juntos, e lá estava uma garota, de vestido longo e preto. Ela tinha um ursinho desbotado em uma de suas mãos. E usava sapatos de salto alto. 

Então ela correu para dentro da casa, sumindo. Anna correu atrás, mas parou no meio do caminho porque o Léo chamou ela. Eu era apenas uma espectadora. Não conseguia falar nada. "O que estava acontecendo?" pensei. Os dois falavam de assombração. "Cadê o Vicente numa hora dessas? Não era para ele estar lá dentro da casa? Estou preocupada." eu pensava.

Fomos interrompidos por uns barulhos vindos das casas abandonadas. Parecia que alguém corria no meio da noite. Então, vi alguém. Mas era alguém que eu conhecia. 

- Vicente... - Falei e corri seguindo os passos.

Acho que a Anna e o Léo tentaram me seguir, mas eu me perdi na escuridão e não vi mais eles. 

- Vicente! Espera! - Eu gritava para aquele vulto que corria de mim.

Em algum momento, eu o perdi de vista. Quando me dei conta, estava perdida. Não via a luz da fogueira.

- Maldito celular sem bateria. - Falei sozinha.

Olhei para a direita, e vi a igreja. "Talvez," pensei, "se eu subir até no sino da igreja eu veja aonde está o acampamento." Me empolguei com a ideia, mas engoli em seco. O lugar ali era horripilante. Caminhei devagar até lá, cuidando todos os lugares.

Quando cheguei, a porta de entrada estava encoberta pelos destroços da parte da frente da igreja. Abri a porta lateral devagar, e ela rangeu fortemente. Não era uma igreja muito grande, e boa parte de seu espaço fora perdido por causa do estado que estava aquele local. Me aproximei do altar, e procurei a imagem de algum santo, ou de Jesus. Não havia nada. 

- Devem ter saqueado o lugar. - Falei baixinho.

Então, achei um grande recipiente de água. Me aproximei, e quando cheguei perto, tomei um susto.

Havia um corpo flutuando sobre a água. Levei a mão a boca, num gesto de desespero. Porém meu pesadelo estava apenas começando. Quando cheguei mais perto, vi quem era de fato aquela pessoa.

Vicente.

Era ele, morto, bem ali na minha frente. Senti vontade de gritar, mas não consegui. Então, ouvi o rangido da porta da igreja. Me escondi rapidamente atrás do recipiente. Segurei o choro, o pavor estava tomando conta de mim.

Alguém se aproximou. Era possível ouvir a respiração pesada dele, o que me deixava mais assustada ainda. Ouvi ele retirando o corpo do Vicente, e o levando. "O que está acontecendo aqui?" pensei, " Eu... Eu tenho que fugir!".

Esperei mais um tempo, até quando julguei estar segura o suficiente. Olhei por cima do recipiente e não vi ninguém. Levantei cuidadosamente, e comecei a seguir em direção da porta. Estava tudo escuro ao meu redor, a luz da lua vinda da porta surgindo como minha única salvação. Eu caminhava devagar, e a medida que me aproximava de lá, eu ia apressando os passos. Quando eu estava quase chegando na saída, algo bloqueou minha passagem.

Era um ser grotesco e estranho. Não tinha tronco, apenas uma cabeça e braços e pernas que saiam do pescoço. Ele vestia um terno cinza listrado, não tinha nariz e seus globos oculares estavam vazios. Ele parou na minha frente. Eu parei também, sem nem conseguir gritar. Dei um passo para trás, depois outro, e quando eu percebi estava correndo para a porta que levava ao andares superiores da igreja. Quando comecei a correr, ele veio atrás de mim, soltando um horrível grito, que meus ouvidos mal conseguiam suportar.

A porta que levava aos andares superiores era muito estreita, até para mim, devido aos desabamentos do local. Seu braço quase pegou minha perna, mas eu consegui escapar para dentro. Então eu subi até o sino, e vi onde estava a fogueira. Suspirei. Ela não estava tão longe. Eu não acreditava que eu não tinha visto antes.

Comecei a pensar em como sair de lá.

- Calma Jaqueline, você vai ficar bem, vai dar tudo certo. Você vai ver. - Eu falava para mim mesma.

Sentei no chão e comecei a chorar.

- A quem estou querendo enganar? - Eu falava em meio a um choro misturado com desespero. - Vicente está morto. E tem... Aquilo lá embaixo esperando por mim. Eu... Eu não tenho nem como pedir ajuda. - Afundei meu rosto nas minhas mãos.

Então algo passou a mão na minha cabeça.

Congelei. Uma voz feminina e infantil dizia para mim.

- Calma, tenha paciência. - Comecei a levantar o rosto, pasma, enquanto ela afagava meus cabelos. - Logo, logo, você... - Eu olhei para onde vinha a voz, e vinha da mesma garotinha da casa. - Irá se juntar a eles. - Ela finalizou.

Então seus olhos e boca escureceram, se tornando numa cena assustadora. Com uma força tremenda ela me jogou lá de cima da igreja.

...

Eu levantei com muita dor de cabeça. Olhei ao redor. Eu estava em meio a pilhas de madeira e feno. Tentei levantar, mas meu braço doía muito e eu gritei. Não conseguia mexer ele, talvez tivesse quebrado. "Mas como estou nessa situação?" pensei. Então olhei para cima. E lembrei de tudo, enquanto eu começava a ficar perturbada novamente.

- Tenho que correr daqui. Tenho que fugir. - Eu falava isso para mim mesma, e continuava repetindo.

Comecei a correr, ignorando a dor, para qualquer lugar. De algum modo, cheguei no acampamento.

Mas não havia ninguém lá. Me aproximei com cautela. Olhei dentro das barracas. Nada. Fui até poço, olhei dentro dele e chamei pelo Edu. Nada. Gritei pelo pessoal. Ninguém respondia. Então olhei na fogueira mais atentamente.

Queimando junto a madeira, estava Leandro.

Não aguentei mais. Cai de joelhos. Ignorei a dor que sentia pelo corpo e no meu braço. Chorei. Chorei desesperadamente.

Quando ergui novamente a cabeça, a garotinha estava na frente da porta da casa novamente. Ela sorria, e olhava para mim. Uma raiva incontrolável, junto com um medo insuportável, tomava conta do meu corpo e da minha mente. Me levantei, e dei alguns passos para trás até ficar na beirada do poço.

- O que você quer de mim?! - Gritei furiosamente para ela.

Ela balançou o ursinho nos seus braços. Quando eu pisquei os olhos, ela não estava mais lá. Fiquei parada uns instantes, até perceber que ela estava do meu lado. Então ela sussurrou numa voz demoníaca:

- Sua vida.

Então inúmeras mãos saíram do poço e me agarraram. Mãos gélidas de pessoas mortas. Em meio aos gritos de desespero vindos daqueles mortos, e aos meus, eu vi de relance uma última vez a garotinha. 

Ela sorria enquanto eu era dilacerada viva por aqueles seres.

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